Aprendendo mais...

Foi necessária a criação de um novo blog sobre a "Evolução histórico - urbana de Minas Gerais", já que não foi possível uma explicação ampla sobre os fatores decisivos para o processo no blog sobre o "Projeto Ferraço". Através das informações aqui contidas, será fácil o entendimento sobre a trajetória histórica de Minas Gerais, através de resquícios de um passado tão rico e deteminante para os dias atuais.

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domingo, 9 de novembro de 2008

Caracterizando o processo...


Minas Gerais no “sistema colonial”:





Certas características do projeto colonizador português - o interesse no excedente como resultante da produção colonial, e não no controle dessa produção, tendo em vista a manutenção, na metrópole, de uma estrutura social arcaica, constituída por um Estado parasitário e por elites (alto clero, nobreza, comerciantes) fundamentalmente concernidas com gastos economicamente improdutivos e com o consumo conspícuo -, a baixa capacidade administrativa e juridificadora da Coroa em relação à extensão do território brasileiro e as enormes dificuldades de transporte impostas pela topografia mineira, fizeram com que a extração estatal de valor se restringisse, nos primeiros dois séculos da colonização, às monoculturas praticadas nas regiões litorâneas. Por essas especificidades, a mineração aurífera permaneceu, ao longo do século XVIII e, mesmo após o seu declínio, até a Independência, como a única atividade econômica desenvolvida em território mineiro diretamente conectada ao sistema colonial mercantilista. A lógica necessariamente imediatista desse sistema, aliada ao baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas, provocou a proliferação de um sem-número de focos de mineração em jazidas auríferas localizadas quase à flor da terra, em depósitos de aluvião, encostas e vales. É certo que esse tipo de atividade provocava certos impactos destrutivos sobre as condições naturais de seu entorno imediato, sendo, entretanto, muito difícil avaliar sua extensão. Mais relevantes nos parecem os impactos causados pelas atividades que se desenvolviam em torno da extração do ouro e que não se prestavam diretamente àexpropriação de riqueza pela Coroa. A exaustão dos depósitos auríferos de mais fácil acesso, ocorrida já a partir dos anos 1760, não significou de forma alguma, como quer uma historiografia mais tradicional, a inauguração de um século de estagnação econômica. Ao contrário, dizia Douglas Libby*, em Minas, "as amarras do famigerado sistema colonial não foram suficientes para deter o desenvolvimento de importantes setores voltados para o mercado interno... Trabalhando em silêncio e ainda dependente do braço escravo, Minas tornou-se o grande celeiro do mercado sudeste brasileiro”. O desenvolvimento desses “setores voltados para o mercado interno”, a salvo da sanha mercantilista, resultava, em grande parte, das barreiras geográficas de Minas supramencionadas. Além disso a Coroa não estava em condições de impor a juridificação efetiva sobre todo o território mineiro. E, ainda que estivesse, certamente reconheceria que a própria produção de excedente na colônia não seria possível se não houvesse a produção para o abastecimento do mercado interno. Tanto é assim, que as regiões da grande lavoura cafeeira de exportação fluminense se tornaram, ao longo dos séculos XVIII e, principalmente, XIX, os maiores mercados consumidores dos alimentos e produtos da “agricultura mercantil de subsistência” mineira - a qual se disseminava por toda a província, concentrando-se, evidentemente, no Centro-Sul do território, mais densamente povoado e mais próximo aos mercados consumidores. Assim, ao lado do colossal volume de riqueza produzido pela exploração aurífera que, pela mediação do comércio lusitano, foi carreado para o Noroeste europeu, a produção mercantil de subsistência foi, sem dúvida, a contribuição específica de Minas na divisão do trabalho necessária à colonização. Conquanto não se tratasse de atividade diretamente produtora de riqueza para o Estado português, a agropecuária mercantil de subsistência mineira mostrava-se objetivamente funcional ao sistema colonial. De outra parte, a pujança dessa produção agropecuária mercantil de subsistência em Minas - atestada pelo fato de Minas possuir, ao longo dos Oitocentos, o maior plantel de escravos do Brasil – era fortemente incentivada pela política de farta concessão de terras praticada pelo Estado. Tratava-se, com efeito, de uma política estatal imprescindível à sustentação da produção crescente de gêneros de primeira necessidade suficientes para garantir a subsistência da grande população mineira e, ainda, para complementar o consumo das regiões em que se praticava a monocultura de exportação: dado o baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas e as dificuldades postas pelas “características bioquímicas e geofísica dos solos”, tanto a plantation litorânea quanto a agropecuária mercantil de subsistência mineira só podiam se manter se devorassem continuamente novas terras. Para isso, utilizava-se largamente das queimadas para a formação de roças e, posteriormente, pastos de gado. Após um curto período, de cerca de dois anos, o terreno recém-ocupado era abandonado e novas florestas tinham que ser queimadas. As atividades econômicas da colônia, fossem elas de exportação, mercantis ou de subsistência dependiam visceralmente de condições que lhes eram externas, a saber, a formação da força de trabalho escrava e a formação natural de solos férteis sempre disponíveis. Muito mais que a exploração do ouro, era esse tipo de atividade, generalizada pela província, que produzia os impactos mais devastadores sobre as condições naturais. Conquanto seja difícil quantificar esses impactos, podemos ter uma idéia de sua dimensão pela assiduidade com que aparecem em comentários de viajantes e observadores da época. Assim, sob a chancela de uma política estatal que incidia deliberadamente sobre os usos das condições naturais, extensas áreas de florestas foram destruídas pelas coivaras ao longo dos séculos XVIII e XIX. De forma que, principalmente nas áreas mais povoadas, começava a faltar a madeira para construir móveis, imóveis, cercas, carros-de-bois e utensílios de toda a ordem, para ser utilizada como lenha para cozinhar etc. A devastação das florestas pela ubíqua agropecuária mercantil de subsistência também escasseava a madeira que servia de combustível à miríade de pequenas forjas de ferro que se multiplicavam por Minas nos Oitocentos. Devido ao isolamento geográfico de Minas (a enorme dificuldade de se transportarem barras de ferro sobre o lombo de burros), os altos preços das mercadorias importadas e a necessidade de metais para explorar as minas de ouro subterrâneas, para prover as tropas e a lavoura, uma vigorosa indústria das pequenas forjas espalhou-se por uma área vastíssima, ocupando as regiões do Alto Paranaíba, Oeste Mineiro, Metalúrgica-Mantiqueira e Mucuri-Jequitinhonha. Até o final dos Oitocentos – quando chegam das estradas de ferro e, com elas, os produtos importados e mais baratos - Minas ficara meio a salvo das variações das políticas fiscal e aduaneira da Coroa e, posteriormente, das políticas do Império. Essa relevante indústria do ferro não deixou de trazer significativos impactos sobre as condições naturais, conquanto não tão dramáticos quanto aqueles provocados pelo avanço contínuo da fronteira da agropecuária extensiva. Dado o baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas, a operação das pequenas forjas e das fundições maiores demandava a proximidade de muita floresta a ser transformada em carvão vegetal e de rios que servissem para lavar o minério e para fornecer força hidráulica às máquinas e foles. O método mais utilizado, o dos cadinhos, o menos produtivo dentre os disponíveis à época, implicava o consumo de enormes quantidades de carvão. Em 1881, a destruição indiscriminada das matas já havia ressecado as nascentes das quais algumas fundições se abasteciam de água para seus sistemas de força hidráulica... algumas dessas forjas se viram forçadas a trabalhar menos regularmente, sobretudo nos invernos secos, característicos de Minas Gerais... O relativo isolamento geográfico, as dificuldades de transporte oferecidas pelo território e a fragilidade do poder juridificador do Estado permitiram a constituição de uma economia relativamente autônoma - baseada em baixos níveis de produtividade, na exploração intensiva da mão-de-obra (fundamentalmente cativa) e de determinados recursos naturais específicos (ouro, ferro, solos, florestas, rios etc.) e, por fim, na existência de mercados locais também relativamente “protegidos” da concorrência de outras regiões do país ou do estrangeiro. Assim, as principais atividades econômicas desenvolvidas em Minas nos primeiros dois séculos de sua ocupação estavam, em grande medida, a salvo da política mercantilista da Coroa e, posteriormente, até quase o fim do Império, resguardadas da concorrência de produtos oriundos de outras províncias ou das economias centrais do sistema produtor de mercadorias. Na verdade, as atividades endógenas agropecuárias, têxteis (artesanais e fabris) e siderúrgicas verificadas em Minas e, consequentemente, o processo de destruição das condições naturais por elas promovido, eram bastante funcionais ao “mercantilismo possível” praticado pela Coroa portuguesa e à política de “modernização possível” do Império, acossado pelas pressões abolicionistas e liberalizantes da Inglaterra. Dessa forma, instaurou-se uma “divisão interregional do trabalho”, em cujo interior Minas especializou-se na exportação de panos, produtos agropecuários e matérias-primas, participando, por essa via, da riqueza gerada pela cafeicultura fluminense e paulista. Contudo, Minas não deixou de abrigar em seu território a própria monocultura de exportação que começa, com o café, na primeira década do século XIX, na Zona da Mata, passando-se, a partir da década de 1880, para a região Sul da província. Já em 1806, a Zona da Mata exportava o produto para o Rio de Janeiro e, durante os Oitocentos, se constituirá na mais rica e dinâmica região mineira, ao custo da destruição quase total da densa Mata Atlântica que deu o nome à região1. A mesma floresta também penetrava em território mineiro pelos vales dos rios Doce, Mucuri e Jequitinhonha, onde foi igualmente exterminada, também pelo fogo das coivaras que abriam a fronteira para a agricultura e a pecuária, assim como pelos machados que buscavam a madeira para as cercas, móveis e imóveis das fazendas. A cafeicultura mineira só entra em crise na passagem do século XIX ao XX, quando a produção de Minas já representava cerca de um terço da paulista e os mercados mundiais, abarrotados de café, determinavam um forte declínio de seu preço. Por essa época, segundo Wirth, a extensão em que se praticava a monocultura cafeeira de exportação no estado já tornava a produção da tradicional agricultura mercantil de subsistência insuficiente para suprir Minas dos produtos básicos, os quais passavam a ser importados de outros estados. De forma que, nos finais do século XIX, era este o quadro da distribuição espacial das principais atividades econômicas e usos da natureza em Minas Gerais: a agricultura mercantil de subsistência, baseada no braço escravo e essencialmente extensiva, estendia-se por quase todo o território, alastrando-se junto com a queima das florestas nativas. Evidentemente, em cada região em que se fazia presente, essa agricultura se mesclava a outras atividades específicas. No Oeste Mineiro, ela veio a substituir os “efêmeros surtos de mineração aurífera” conhecidos pela região no período colonial. Em outras regiões, combinou-se com uma forte e tradicional pecuária, atividade pioneira no processo de ocupação dessas extensas áreas esparsamente povoadas.
(*) Douglas Libby, professor de história da UFMG e escritor.

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